A música da dupla sertaneja Marcos e Belutti ecoa repetidas vezes da caixinha de som de Wellington Pereira de Andrade Marcelino, de 23 anos, enquanto ele cruza as ruas da zona oeste de São Paulo recolhendo materiais recicláveis.
Com uma paralisia cerebral que impede que ele mexa o lado esquerdo do corpo, o jovem tem uma bicicleta adaptada a uma carroça para transportar a carga.
"Eu dei uma carroça para ele, mas não deu certo. Eu pensei que funcionaria até com uma muleta, mas ele cai demais e fiquei com medo que ele caísse na rua", conta a mãe de Wellington e também catadora Elismaura Pereira dos Santos, de 46 anos.
Todos os dias, o jovem deixa a ocupação onde mora e passa cerca de 12 horas, das 8h às 20h, em busca de papelão, jornais e latinhas no bairro da Vila Nova Conceição, na zona sul da capital paulista.
"Ele só não trabalha mais porque quer chegar logo para ver o Pereirão da novela", conta a mãe dele sorrindo.
Para diminuir o desgaste de Wellington e outros catadores que mesmo mais velhos e com doenças graves não pararam de trabalhar, pesquisadores do projeto Carroças do Futuro, da ONG Pimp my Carroça, desenvolveram e vão fornecer, com a ajuda de empresas, carroças e triciclos elétricos.
Os veículos são equipados com um motor abastecido na tomada comum e pode chegar a 5 km/h.
Em apenas um dia Wellington chega a transportar mais de 200 kg de recicláveis. Em média, ele ganha R$ 30 reais pelas 12 horas de trabalho. Se ele trabalhar todos os dias úteis do mês, o rendimento dele será de cerca de R$ 700 — bem menor que um salário mínimo (R$ 1.024).
O dinheiro que o jovem ganha ajuda na renda familiar. A ocupação onde eles moram serve de abrigo para Wellington, a mãe dele e outros cinco filhos.
A gestora do Carroças do Futuro, Adriane Andrade dos Santos, disse que a ideia surgiu do artista plástico Mundano, conhecido por pintar nas carroças de catadores.
Ela conta que a intenção do artista é fazer com que o catador deixe de ser "o homem do saco" e tenha seu trabalho reconhecido e valorizado pela sociedade.
"É cuidando da ferramenta de trabalho das pessoas que elas começaram a mudar. Começamos nosso projeto em 2019 em parceria com Instituto Clima e Sociedade. Estudaram iniciativas anteriores que buscavam colocar motores em carroças e nos reunimos com engenheiros elétricos, engenheiro mecânico, especialistas em energia solar, especialistas em gerenciamento de resíduos, estudantes e fizemos seis protótipos", afirmou.
A partir de então, eles fizeram uma maquete a partir das melhores ideias de cada protótipo e firmaram uma parceria com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) para que eles pudessem construir um projeto técnico.
Após conversas com os catadores, os técnicos concluíram que o melhor para as grandes metrópoles seria a carroça elétrica e para as cidades litorâneas, o triciclo, pois o terreno é mais plano.
O catador Carlos Roberto Arosti, conhecido como Magrão, de 56 anos, receberá uma dessas carroças elétricas. Com um desvio na coluna, o trabalhador carrega em média 300 kg — seu recorde foi 800 kg.
"Foi um dia que eu carreguei saco de cimento, areia e pedra para um cliente que estava uma boate em Pinheiros (zona oeste de SP). E tudo isso eu faço doente. Minhas mãos são calejadas e minhas costas e pernas doem cada dia mais. Quando eu chego no meu repouso, eu estou só o bagaço e essa carroça me ajudaria demais", afirmou à BBC News Brasil.
Magrão, que mora em uma barraca de camping no largo da Batata, em Pinheiros. Ele não tem pais e diz que mora nas ruas para evitar o convívio com os familiares.
Ele começa a trabalhar todos os dias às 7h30 e para apenas quando está cansado. Alguns dias às 23h. Ele não apenas recolhe reciclagem, mas também presta serviços para uma cooperativa e faz carretos, como transportar entulho.
Em um dia bom, diz lucrar R$ 100. Mas geralmente os rendimentos não passam de R$ 30 ou R$ 40.