O papel dos animais nas epidemias
A brasileira Vale explica que, enquanto a floresta e sua biodiversidade é protegida, animais que hospedam muitos vírus nocivos aos humanos, como os morcegos, não representam ameaça aos humanos. "Mas quando há desmatamento, os morcegos podem começar a se alimentar nas proximidades de moradias das pessoas, aumentando a possibilidade de uma transmissão dos vírus para o homem", diz.
É o que tem ocorrido nas áreas que enfrentam incêndios florestais no Brasil, por exemplo. Recentemente, correram o mundo fotos de animais silvestres como cobras, macacos jacarés e até onças fugindo das queimadas no Pantanal em direção às cidades.
Um estudo publicado em agosto na Nature explica melhor o porquê dessa relação: enquanto algumas espécies estão se extinguindo com a ação humana, aquelas que tendem a sobreviver e prosperar - ratos e morcegos, por exemplo - têm maior probabilidade de hospedar patógenos potencialmente perigosos que podem saltar para os humanos.
Em relação à família dos coronavírus, a Organização Pan-americana de Saúde (Opas) tem alertado que o Sars-Cov-2 possivelmente não será o último a infectar as populações de humanos. "Uma série de investigações detalhadas descobriram que o SARS-CoV foi transmitido na China em 2002 e o MERS-CoV de camelos dromedários para humanos na Arábia Saudita em 2012. Vários coronavírus conhecidos estão circulando em animais que ainda não infectaram humanos. À medida que a vigilância melhora no mundo, é provável que mais coronavírus sejam identificados" - Opas
Onde ocorrerá a próxima pandemia
Há pelo menos três décadas, o ecologista Stuart Pimm, da Universidade Duke, nos Estados Unidos, considerado referência mundial na área, alerta sobre a relação entre desmatamento, mudanças climáticas e tráfico de animais silvestres com a emergência de novos vírus com potencial de causar epidemias.
Pimm já havia alertado sobre os vírus por trás do Ebola, Mers e Sars, que transbordaram de animais para os humanos nas últimas décadas. Contudo, estudos como os do americano passaram despercebidos nestas décadas até dezembro de 2019, quando o mundo teve a notícia do primeiro infectado por um novo tipo de coronavírus em Wuhan, na China.
"Acreditamos que o Sar-Cov-2 possa ter vindo de um morcego", explica Pimm, lembrando que a ciência ainda não conseguiu apontar com exatidão a origem do vírus por trás da Covid-19.
Agora, além da busca pela vacina contra a Covid, a ciência se esforça para mapear os riscos em comunidades em todo o mundo e projetar onde a emergência de novas doenças são mais prováveis estão assumindo o papel central.
Ainda não é possível prever quando e onde ocorrerá uma próxima pandemia, segundo a brasileira Vale, mas as apostas têm sido áreas desmatadas de florestas tropicais. "Não é possível prever com precisão, mas existem mapeamentos das áreas de risco para a emergência de novas doenças infecciosas. Essas áreas são, em geral, associadas com florestas tropicais onde há grande riqueza de possíveis hospedeiros animais. O risco aumenta com o tamanho da população humana e a com a taxa de desmatamento nessas áreas, que aumenta a taxa de contato entre pessoas e animais silvestres", afirma Vale.
Vale conta que existe um projeto de pesquisa internacional, o projeto VIROMA, que pretende mapear nos próximos 10 anos 99% de todos os vírus com potencial pandêmico do mundo. O Brasil é um dos principais lugares a ser pesquisado.
"Porém, o Brasil é um dos países do mundo com a maior lacuna de conhecimento nesse sentido de mapear os vírus na natureza. Investimentos em pesquisas científicas que identifiquem os vírus associados a nossa rica fauna são uma necessidade urgente quando pensamos em uma futura pandemia", explica Vale.
Sem desconsiderar a importância de se preparar para uma próxima pandemia, o biólogo Hannah afirma que é possível evitá-la.
"Cuidar de nossas florestas é o melhor jeito de minimizar as chances de novas pandemias como a que enfrentamos", aponta Hannah.
Além do desmatamento das florestas, os cientistas alertam que o tráfico de animais selvagens e o aquecimento global também podem estar nos aproximando de uma próxima pandemia.
Após um ano coletando amostras de gelo no Polo Norte, a maior expedição científica já realizada na região retornou para a Europa na segunda-feira (12). Além de pesquisarem os efeitos das mudanças climáticas, os cientistas do Instituto Alfred-Wegene, na Alemanha, investigam um fenômeno que tem preocupado epidemiologistas: o reaparecimento de vírus e bactérias retidos nas camadas mais profundas das calotas polares, e que podem emergir à superfície na medida em que com o aquecimento global.
Em entrevista à agência RFI, os cientistas lembraram da bactéria de antrax que, há quatro anos, veio à superfície e matou um menino de 12 anos na Sibéria.